William Santos é colunista do Jornal O Debate e apresentador do Programa Top da TV Band Maranhão.

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

“Não há barreira, fechadura ou tranca que você possa impor à liberdade da minha mente”, essa frase da escritora inglesa Virginia Woolf representa como a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização das escritoras, sobretudo contemporâneas, através de entrevistas e ensaios sobre as suas obras. Hoje, temos a honra de receber a escritora Lindevania Martins, uma importante voz para a cultura feminista atual, que, diariamente, luta pela igualdade de gênero.

QUEM É A ENTREVISTADORA: Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

QUEM É A ENTREVISTADA: Lindevania Martins é maranhense (Pinheiro-MA) e mora em São Luís. Graduada em Direito e Mestra em Cultura e Sociedade pela UFMA, é mestranda em Direito Constitucional pela UFF. Delegada de polícia entre 1998 e 2001, é defensora pública de Defesa da Mulher e População LGBTQIA+. Atua como escritora, palestrante e pesquisadora em Gênero, Tecnologia, Direito e Literatura. Integra o Grupo de Pesquisa em Crítica Jurídica Contemporânea (UFF). É membro do coletivo literário feminista Mulherio das Letras. Venceu por duas vezes o Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, categoria contos (2003 e 2005). Recebeu uma menção honrosa no Concurso Nacional de Contos da OAB Nacional (2006). Foi selecionada para publicação no Concurso de Originais da Editora Benfazeja (2017). Finalista no 1° Concurso Nacional de Contos Ciclo Contínuo (2017). Jurada no concurso internacional de contos “Her Story”, da Plataforma Sweek em conjunto com  o Leia Mulheres (2018). Venceu o 6° Premio CEPE de Literatura (2021). Possui contos e poemas publicados em diversas antologias, revistas impressas e sites, dentre os quais destacam-se: Cadernos Negros n. 42, Revista GuetoRevista Pixé, Ruído Manifesto, Laudelinas, Café Espacial, Jornal O Relevo, e Acrobata. Autora dos livros Anônimos (2003), Zona de Desconforto (2018), Longe de Mim (2019), Fora dos Trilhos (2019), A Moça da Limpeza (2021) e Teresa Decide Falar (2022).

Gabriela Lages – Como você começou a escrever?

Lindevania Martins – Sempre fui uma leitora voraz e ler tanto despertou em mim a vontade de escrever. Comecei a escrever na adolescência, a partir da observação dos amigos, vizinhos e de mim mesma. Havia coisas sobre eles e sobre mim que eu não compreendia e através da escrita, através de um exercício de imaginação, eu preenchia essas lacunas. Logo percebi que escrever nos conferia um pequeno poder: através da ficção, eu poderia criar realidades, construindo eventos paralelos e poderia até mesmo mudar o final de certas histórias. E não só: escrever me obrigava a organizar fatos, memória e imaginação. E isso me fazia compreender um pouco mais sobre o mundo, sobre aquilo que me rodeava, inclusive compreender coisas sobre quem eu era. Para uma garota extremamente curiosa, isso era o máximo!

Gabriela Lages – A sua formação acadêmica, na área de Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

Lindevania Martins – Muito! Diria que hoje percebo como minha identidade como profissional do direito e como escritora são complementares e se conectam de modo profundo, uma coisa contaminando a outra. Especialmente nesse momento em que me encontro mais madura e de volta à atividade acadêmica, fazendo mestrado em Direito Constitucional e repensando meu percurso profissional no mundo jurídico. Tudo isso constitui um conjunto e minha escrita se torna o resultado de todas essas interferências.

Gabriela Lages – Por que você escreve?

Lindevania Martins – Volta e meia me faço essa pergunta.  E são tantas as respostas que me ocorrem! Mas percebo que é principalmente uma necessidade íntima de auto-expressão que me move. Escrevo, talvez, porque sempre fui muito calada e escrever me obriga a usar e projetar uma voz interior, me obrigando a ir contra minhas inclinações naturais relativas ao silêncio. Escrevo, talvez, porque às vezes a comunicação parece inútil e tenho esperança de que, em algum momento, não seja mais. Escrevo porque sou mulher e as mulheres por tempo demais foram excluídas do espaço público, pelo que encaro como uma obrigação usar do espaço literário, um espaço de discurso público por excelência, para afirmar não só a minha identidade feminina, mas as  de outras mulheres e as singularidades ligadas a ela. Escrevo porque venho de um lugar em que os meus, alguns pobres demais, outros analfabetos, jamais pensaram em escrever porque esse tipo de atividade não fazia parte do seu universo de possibilidades e, quando escrevo, também escrevo por eles.

Gabriela Lages – Quais escritoras(es) te inspiram?

Lindevania Martins – Foram e são tantos. Cada escritor e cada escritora produziram em mim efeitos diferentes e elas e eles mudam de acordo com as fases de minha vida e com as minhas buscas pessoais. É mais fácil falar daqueles que estão mais distantes de nós, como Maria Firmina dos Reis, Hilda Hilst, Kafka, porque os efeitos dos contemporâneos, especialmente desses com os quais convivo, ainda estão sendo produzidos e creio que nos influenciamos mutuamente.

Gabriela Lages – Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Anônimos (2003). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Lindevania Martins – Anônimos, meu primeiro livro, surge quando ainda não sabia qual era a minha voz como escritora, nem o que queria alcançar ao escrever ou por que eu escrevia. Então, é um livro permeado por experimentação, contendo dezesseis contos de uma jovem escritora que está tateando e que ainda não pisa no chão com segurança. O crítico Couto Correia Filho, que assina a orelha, diz que nele há contos com uma carga dramática que choca a sensibilidade do leitor. As temáticas que abordo são variadas mas guardam algo em comum com a escrita que desenvolvo até hoje: indagam pelo sentido das coisas. Anônimos pode ser comprado através da livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Gabriela Lages – Comente sobre Zona de Desconforto (2018). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Lindevania Martins – Depois de publicar Anônimos em 2003, decidi que não queria mais escrever e fiquei quase quinze anos sem publicar livros, até que veio Zona de Desconforto em 2018, contendo oito contos. Zona de Desconforto é o nome do primeiro conto, que abre o livro, e que narra a história de uma menina do interior do Maranhão que é explorada no trabalho doméstico na capital. Ao escolher o nome do conto como título do livro, quis ressaltar a importância desse conto para mim, que retoma a história de várias mulheres da minha família. Mas o título ainda cumpre outras duas funções. A primeira é informar sobre os cenários nos quais meus personagens se movem: hostis. A segunda é já alertar ao leitor sobre o tipo de coisa que ele irá encontrar no livro, para que tenha a opção de se afastar, pois o livro tem uma escrita ácida e dura que pode incomodar aos mais sensíveis. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora Benfazeja, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Gabriela Lages – E quanto ao seu livro mais recente, Teresa Decide Falar (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Lindevania Martins – Teresa Decide Falar é meu livro mais maduro. Traz quinze contos que transitam fortemente por universos fantásticos e que dialogam com meus livros anteriores, mas dialogam principalmente com as minhas obsessões.  Alguns temas se repetem, como esses ligados à linguagem e à morte. Mas sigo por outros caminhos. Na escrita desse livro, fui muito inspirada por diversas obras e autores. O conto de abertura do livro, Teresa Decide Falar, por exemplo, é inspirado  no livro Pode o Subalterno Falar?, de Gayatri Spivak. Já o conto Encontro Marcado  se inspira em um dos meus filmes preferidos, O Sétimo Selo, de Bergman. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora CEPE, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Gabriela Lages – Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o CEPE de Literatura (2021).

Lindevania Martins – Os concursos e prêmios literários sempre estiveram nos meus horizontes, em um movimento originado menos por busca de prestígio e mais por insegurança, por não ter certeza sobre aquilo que eu escrevia era realmente literatura. Vencer concursos literários ou ser finalista de prêmios vieram como incentivos para minha escrita, me apontaram que minha escrita tinha alguma qualidade estética e divulgaram meu trabalho entre leitores, criticos, outros escritores e profissionais do livro.

Gabriela Lages – Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos feministas tais como o Coletivo Mulherio das Letras. Qual é a importância dos coletivos literários, para você?

Lindevania Martins – Estou no Coletivo Mulherio das Letras desde o início do movimento e estive em todos os encontros presenciais. É um local de fortalecimento para nós, mulheres escritoras. Acho muito interessante quando você usa a expressão “ecoar nossas vozes”. É isso que penso: não basta escrever. É preciso que essa escrita repercuta no mundo, ecoe e produza mudanças.

Gabriela Lages – Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Que estejamos juntas e que possamos reexaminar e expandir o que consideramos nossos limites.

A entrevista foi publicada, originalmente, no blog “Feminário Conexões” e pode ser encontrada neste link: https://feminarioconexoes.blogspot.com/2023/03/uma-cartografia-da-escrita-de-mulheres.html?m=1

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